segunda-feira, 26 de março de 2012

Guerra do Contestado é tema de debate

Sociólogo José de Souza Martins vai discutir conflito com repórteres do 'Estado' nesta quinta-feira, em São Paulo

25 de março de 2012 | 3h 07

O Estado de S.Paulo
A Guerra do Contestado (1912-1916), ocorrida na divisa entre Santa Catarina e Paraná e considerada a maior rebelião civil do País no século 20, será tema de um debate promovido pelo Estado nesta quinta-feira, 29, das 12h às 14h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. O debate ocorrerá no Teatro Eva Herz e a entrada é franca. O auditório tem capacidade para receber 200 pessoas.

Reportagem trouxe memórias de infância de sobreviventes da maior rebelião civil do século 20 - Reprodução
Reprodução
Reportagem trouxe memórias de infância de sobreviventes da maior rebelião civil do século 20.
 
O debate Meninos do Contestado terá a participação do professor de Sociologia José de Souza Martins, titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso de movimentos sociais, e dos repórteres Leonencio Nossa e Celso Junior, que contarão os bastidores do caderno especial Meninos do Contestado, publicado pelo Estado em fevereiro para marcar os 100 anos do início da guerra. Também será exibido um vídeo produzido pelos dois jornalistas em Santa Catarina, região do conflito, com depoimentos de sobreviventes e reprodução de fotos da época.
As origens da guerra remontam a 1910, quando a Brazil Railway, subsidiária da Lumber Company, concluía a construção do trecho da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul no território disputado por Santa Catarina e Paraná, o Contestado. A Lumber conseguiu concessão do governo para explorar pinhos e imbuias nos 15 quilômetros de cada lado da ferrovia. 

Com isso, 4 mil trabalhadores recrutados em outros Estados para as obras foram demitidos e expulsos de cabanas levantadas nas margens da estrada. A eles se juntaram andarilhos messiânicos que viviam em terras entregues à Lumber e federalistas foragidos do Rio Grande do Sul.

Cenário. O Brasil de 1912 ainda vivia sob o impacto da proclamação da República, duas décadas antes. Representantes do setor agrário de São Paulo e Minas e militares eram os protagonistas de um regime com instituições tomadas pela corrupção e que não conseguia evitar rebeliões nas cidades e no interior.

O presidente Hermes da Fonseca, um militar de carreira, mantinha a política do tio, Deodoro, proclamador da República, e de Floriano Peixoto de aniquilar defensores da monarquia. A presença de federalistas, adversários de Floriano, no movimento do Contestado foi usado pelo governo para esquecer o desastre de Canudos, de 1897, e enviar o Exército para mais uma batalha no sertão, dessa vez no Sul do País. Mesmo deixando 10 mil mortos e um rastro de destruição, o conflito segue pouco conhecido pela maioria dos brasileiros.

Martins vai abordar as causas e o contexto político do País na época da guerra. Colunista do Estado, Martins pesquisou movimentos milenaristas no Brasil, dentre eles o do Contestado - em 1979, ele visitou a região e conheceu cenários de episódios da guerra. Dentre outros livros relativos ao tema escreveu Os Camponeses e a Política no Brasil (Editora Vozes) e O Sujeito Oculto (Editora da UFRGS).

domingo, 25 de março de 2012

A Primeira Guerra Mundial ( 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918)



ESPECIAL
VEJA, Agosto de 1914
Assassinato do arquiduque detona guerra na Europa –
Batalhas entre Tríplice Aliança e Tríplice Entente tomam continente de
assalto – Conflito já surge como a Grande Guerra da humanidade.


A fúria dos canhões: artilharia belga em ação contra os alemães
numa das primeiras batalhas desta nova guerra.

udo começou no fim do século passado, quando os destemidos líderes das potências do Velho Continente começaram a rodopiar seus malabares de fogo sobre um imenso barril de pólvora chamado Europa. Na Alemanha, o kaiser Guilherme II nutria uma ideia fixa: arrumar um lugar ao sol para as forças tedescas na inflamável corrida colonialista. Na França, o ardente desejo do comandante-em-chefe Joseph Joffre era vingar-se dos germânicos pela subtração dos territórios da Alsácia e Lorena. E na Rússia, o czar Nicolau II, faminto por conquistas militares, tentava recuperar todo o prestígio perdido na vergonhosa derrota para os japoneses em 1905. Esses sinais já indicavam ao mundo que as labaredas estavam muito próximas. Pois as manifestações pirofágicas dos mandachuvas – agora incitadas pela fagulha do assassinato do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando, em junho último – finalmente fizeram explodir, neste ano da graça de 1914, o tão temido conflito bélico pan-europeu. Agora é guerra, não resta dúvida. Falta saber por quanto tempo (e por quantas partes do globo) essas chamas vão arder.

Amarrados por uma emaranhada rede de alianças, a maioria absoluta das nações europeias já toma parte nas hostilidades – seja como agressora, seja como presa dos pelotões armados. No escaldante teatro de operações, digladiam-se a Tríplice Aliança, encabeçada pela Alemanha e pelo império Austro-Húngaro, e a Tríplice Entente, que reúne Grã-Bretanha, França e Rússia. As primeiras manobras foram registradas pelos alemães, que, em 2 de agosto – um dia depois de sua declaração de guerra à Rússia e um dia antes da declaração de guerra à França –, invadiram o pequeno ducado de Luxemburgo. No dia 4, o exército da Alemanha marchou sobre a Bélgica, país que, apesar de sua neutralidade, foi atacado por estar no caminho germânico rumo à França. Com isso, a Grã-Bretanha, que inicialmente pretendia se manter distante da sentença dos canhões, declarou guerra à Alemanha. O tabuleiro da guerra estava montado.

Avanço dos teutônicos: alemães enfrentarão britânicos, franceses e russos.

Desde então, apenas no front ocidental, já se contabilizam 14 grandes batalhas deflagradas. As mais concorridas são as Batalhas das Fronteiras, que mobilizam mais de 1.250.000 soldados franceses e 1.300.000 alemães na região oriental da França e meridional da Bélgica. No front oriental, também é ensurdecedor o gritar das armas. Em 17 de agosto, 350.000 russos, divididos em dois exércitos, invadiram o Leste da Prússia pelo sul e pelo norte. A agressão inicial em Stalluponen foi repelida pelo exército alemão – que, contudo, capitulou em Gumbinnen, alguns dias mais tarde. Mas os germânicos já registraram um triunfo avassalador em Tannenberg, onde capturaram 95.000 soldados russos e mataram outros 30.000 – revés que levou o multiestrelado general Alexander Samsonov, comandante do Segundo Exército da Rússia, a cometer suicídio. Por seu altíssimo potencial incendiário, o conflito já recebe dos analistas políticos e militares a alcunha de "Grande Guerra", termo que outrora descrevera as contendas napoleônicas, mas que agora parece talhado à perfeição a esta fervorosa e intrincada carnificina.
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O estopim em Sarajevo – Causa espanto pensar que um crime isolado cometido de forma solitária por um jovem extremista possa mergulhar o mundo todo numa guerra. Foi exatamente isso, porém, que ocorreu nas últimas semanas. No último dia 28 de junho, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi alvejado à queima-roupa em Sarajevo por um estudante sérvio, Gavrilo Princip, ligado à organização nacionalista Mão Negra. Contudo, pela demora na reação do império Austro-Húngaro, o atentado, que ceifou também a esposa do nobre, Sofia, não parecia tomar grandes dimensões, muito menos funcionar como a centelha que seria capaz de inflamar a Europa. Passaram-se três longas semanas até que o estafe do imperador Francisco José encaminhasse à Sérvia um ultimato. Nessa mensagem, além de acusar implicitamente o governo sérvio de estar envolvido no crime, Viena elencava uma série de exigências visando reforçar a soberania austro-húngara nos Bálcãs. Entregue no dia 23 de julho, o documento foi respondido pela Sérvia dois dias depois – e, para surpresa geral, contestado em apenas pequenas cláusulas. Em resumo, o governo sérvio, apesar de negar qualquer participação no atentado, aceitava as requisições e termos da carta. Mesmo assim, o império Austro-Húngaro decidiu pela declaração de guerra, no dia 28 de julho. E o efeito dominó não tardaria a chegar às demais nações europeias.

A hora em que tudo mudou: Principe (à dir.) é preso depois de matar o arquiduque.

Respeitando um tratado de amizade com a Sérvia, a Rússia logo anunciou a mobilização de seu gigantesco exército para a defesa dos eslavos. Por outro lado, a Alemanha, que já assinara um pacto com o império Austro-Húngaro, considerou a decisão russa um ato de guerra contra seus aliados, e declarou guerra à Rússia. Na verdade, o apoio do Reichstag alemão já havia sido sacramentado antes mesmo que o ultimato à Sérvia fosse enviado. Consultado pelo governo de Francisco José, os germânicos garantiram total suporte a Viena, qualquer que fosse o resultado da ação. Dando continuidade à sequência, a França, comprometida com Rússia também através de um tratado, conclamou guerra contra a Alemanha e, por tabela, contra o império Austro-Húngaro. Aqui, a cadeia poderia ter sido rompida: aliada dos gauleses por um pouco consistente pacto verbal, a Grã-Bretanha não se via obrigada a juntar-se à França na contenda.

Desde os anos 1870, os insulares propalavam aos quatro ventos sua política de "isolamento esplêndido", evitando interferir na política continental europeia. Entretanto, a marcha alemã na neutra Bélgica fez o primeiro-ministro Herbert Asquith resgatar um acordo assinado há 75 anos – o Tratado de Londres, pelo qual os britânicos se comprometiam a defender a Bélgica em caso de invasão –, e ingressar com as duas botas nas hostilidades. A entrada da Grã-Bretanha surpreendeu a Alemanha e fortaleceu as hostes da Tríplice Entente. As colônias Austrália, Canadá, Índia, Nova Zelândia e União da África do Sul ofereceram assistência militar e financeira aos aliados. Também o Japão, ligado aos britânicos por um tratado militar de 1902, declarou guerra aos germânicos, no dia 23 de agosto. O conflito já tinha, de fato, uma escala mundial, com repercussões sentidas muito além das fronteiras europeias.
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Sonhos e devaneios - Das grandes forças do continente, apenas a Itália, ao menos por enquanto, opta pela posição de neutralidade. Apesar de signatária do tratado da Tríplice Aliança, junto com a Alemanha e com o império Austro-Húngaro, em 1882, os peninsulares também têm em vigor um pacto pouco conhecido com a França. Como o acordo da Tríplice Aliança prevê auxílio militar apenas em caso de guerras defensivas, a Itália, sorrateira, escusou-se da confraria. Observadores e analistas estrangeiros acreditam, contudo, que o real motivo da retirada italiana seja uma insatisfação com a influência austro-húngara nos Bálcãs, vista com preocupação pelos mandatários da Bota. Nos Estados Unidos, o presidente Woodrow Wilson tornou pública sua política de neutralidade e conclamou os cidadãos americanos, independentemente de suas origens, a não tomarem lado na guerra, de maneira a evitar conflitos internos no país. Mesmo com a ausência dessas potências, certamente a refrega cobrará como poucas outras o tributo de sangue de seus soldados – que, ironicamente, se veem engajados em um prélio comprado de terceiros por seus superiores.

Franceses em xeque: reservistas partem para o front, mas poucos apostam neles.

À exceção do primeiro-ministro britânico, para quem a pugna veio apenas para atrapalhar acordos comerciais, nenhum dos líderes das nações envolvidas está exatamente lamentando o conflito generalizado no Velho Continente. Ao contrário: a Grande Guerra pode ajudar a solucionar conflitos internos e potencializar os sonhos expansionistas e devaneios nacionalistas de diversos soberanos. Alguns deles, inclusive, estão finalmente levando a cabo manobras e estratégias que vêm sendo cuidadosamente desenhadas há anos, desde que a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) redefiniu as fronteiras do continente. É o caso do Plano XVII, da França, idealizado por Ferdinand Foch depois da humilhante derrota para a Prússia e abraçado com afinco por Joseph Joffre no ano passado. Pontuada pela vingança, a trama lança mão de quatro exércitos para não só recuperar a Alsácia e Lorena, anexadas pelos germânicos, como ainda invadir a Alemanha pelas florestas de Ardennes. Ultraofensivas, as manobras se apoiam em uma suposta verve combatente dos franceses. Nas primeiras semanas de combate, entretanto, provou-se que os gauleses estão completamente despreparados para a potencial invasão alemã via Bélgica. Seu poder de ataque também já está em xeque.

No lado da Rússia, apesar da relutância inicial do czar Nicolau II, a guerra contra o império Austro-Húngaro torna-se uma oportunidade ideal para recuperar o mito do exército "invencível", ferido pela aniquilação imposta pelos japoneses na Batalha de Tsushima, em 1905. Moscou espera também que a campanha ajude a desviar o foco dos problemas sociais internos. Para isso, dois cenários foram esboçados pelo estrategista Yuri Danilov: o Plano G, que prevê contragolpes em caso de mobilização total das forças alemãs contra os russos, e o Plano A, que dita o modus operandi russo se a Alemanha concentrar primeiro seus ataques à França. Nesse caso, a Rússia teria tempo para engendrar a invasão via Prússia oriental até a Alemanha central. O acachapante revés em Tannenberg diante dos alemães, contudo, pode desacelerar o ritmo das forças do czar.
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Senhores das nações - Também está evidente que, quando o império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, buscava reforçar sua posição na conturbada região dos Bálcãs, onde, apenas neste início de década, três guerras já foram travadas. O fervor nacionalista das pequenas nações que buscam se unir, sob a tutela de Moscou, em uma espécie de confederação pan-eslávica em nada agrada os austro-húngaros, que, ao lado dos turcos-otomanos, foram senhores dessas nações durante anos. A exemplo do que se verificou na Rússia, dois planos foram elaborados: o primeiro, o Plano B, que prevê só a guerra contra a Sérvia nos Bálcãs, e o Plano R, rascunhado para defender-se de um possível ataque russo. Nesse período de aurora dos combates, porém, é a Alemanha quem mais colhe frutos – graças às corretíssimas análises e estratégias do chamado Plano Schlieffen, arquitetado pelo finado conde Alfred Von Schlieffen.

Chucrute explosivo: a afiada artilharia alemã dá as cartas neste início de contenda.

Em primeiro lugar, porque a guerra veio em uma hora exata para o chanceler Bethmann Hollweg, que tem a inglória tarefa de ser a ponte entre o Reichstag dominado por 110 deputados socialistas e o teimoso e centralizador Guilherme II, ladeado por seu alto comando militar de extrema direita. As contendas adiaram por tempo indeterminado uma guerra civil que ele dava como certa. Para melhorar as coisas para o kaiser, a Grande Guerra oferece uma alternativa expansionista para a criação de um império germânico, sonho de Guilherme e de muitos militares, incomodados com o fato de estarem muito atrás das potências coloniais. Em segundo lugar, porque o sucesso do Plano Schlieffen no teatro de operações, agora tocado pelo general Helmuth Von Moltke, vem sendo expedito.

O exército alemão preparou-se fortemente para uma guerra em dois fronts, contra a França no leste e a Rússia no oeste. O conde Von Schlieffen calculou que o exército russo levaria ao menos seis semanas para se mobilizar, já que seu contingente monstruoso de soldados é orientado por paquidérmicas linhas de comunicação. Nesse ínterim, os alemães empreenderiam força total para nocautear a França em apenas algumas semanas; Paris seria conquistada e as forças invasoras realocadas para o front oriental. Quando os soldados alemães marcharam para a guerra, no dia 1º, o kaiser se despediu prevendo que em quatro meses tudo estará terminado. "Estarão todos de volta antes que comecem a cair as folhas das árvores", despediu-os Guilherme II. Ao que parece, tudo segue como o planejado. Em poucos dias de guerra, a Alemanha registrou vitórias notáveis contra franceses e russos. Ainda é muito cedo para cantar vitória, mas o combustível dos alemães parece estar longe de acabar.

Fonte: http://veja.abril.com.br/historia/



quarta-feira, 21 de março de 2012

O desenhista do Brasil

Ao negociar com os vizinhos cada palmo das fronteiras, o barão do Rio Branco criou uma cultura de paz impensável no mundo atual.

Rubens Ricupero
1/2/2012 

José Maria da Silva Paranhos Júnior, o "Barão do Rio Branco" (1902-1912). Foi quem deu ao mapa do Brasil o seu desenho atual.

O jornal A Noite resumiu o sentimento geral ao abrir a manchete “A morte de Rio Branco é uma catástrofe nacional” em 10 de fevereiro de 1912. Às 9h10 da manhã, expirara em seu gabinete de trabalho aquele que era considerado “o maior de todos os brasileiros”. O destino do barão foi paradoxal. Monarquista convicto teve papel fundamental na legitimação da República de 1889, que começara sob os piores auspícios: a inflação do Encilhamento, a ditadura militar de Floriano, a tragédia sanguinária de Canudos, a repressão à Revolta da Armada e a Rebelião Federalista no Sul. Foram os êxitos diplomáticos de Rio Branco, ainda antes de se tornar ministro, nas definições de limites com a Argentina e a França-Guiana Francesa, que forneceram ao governo republicano os primeiros sucessos de que precisava desesperadamente.  
Algo parecido ocorreu com sua projeção pessoal. Viveu semiesquecido em postos obscuros na Europa por 26 anos. Só a partir dos 50 anos (morreria com 66) alcançaria o reconhecimento tardio. Desde esse momento, no entanto, acumulou tantas vitórias, em especial como ministro das Relações Exteriores durante quase dez anos (1902-1912) sob quatro presidentes, que ofuscou todos os demais. Nenhum outro diplomata de carreira, em qualquer país, atingiu como ele o status de herói nacional de primeira grandeza, culminando com a reprodução da sua efígie no padrão monetário. Entre 1978 e 1989, a nota de 1.000 cruzeiros, a de maior valor, era chamada pelo povo de “barão”.
O futuro barão nasceu em 20 de abril de 1845 como José Maria da Silva Paranhos Júnior na velha Travessa do Senado, atual Rua 20 de abril, no Centro da cidade, num sobrado que se pode ver ainda hoje no Rio de Janeiro. Fez seus estudos no Liceu D. Pedro II e na Faculdade de Direito de São Paulo, transferindo-se no último ano para Recife, onde se formou. No começo, hesitou sobre o caminho a seguir: foi professor, promotor público e deputado por Mato Grosso em duas legislaturas.
Em 1876, conseguiu ser nomeado para o bem remunerado posto de cônsul geral em Liverpool, na Inglaterra, após vencer tenaz resistência de D. Pedro II e da princesa Isabel, escandalizados com sua reputação de boêmio na tacanha atmosfera provincial da Corte.  Já naquele tempo, mantinha ligação amorosa com a atriz belga Marie Philomène Stevens, com a qual só legalizaria a união muitos anos depois, em 1889.
Em meados de 1893, a morte do advogado brasileiro barão Aguiar de Andrada no arbitramento com a Argentina e sua nomeação para substituí-lo vão tirar do anonimato aquele que era o maior conhecedor do assunto. Como disse o grande jurista americano Basset Moore, ele foi a “maior combinação de estadista e de scholar que havia encontrado”. 
A disputa consistia na identificação no terreno dos rios Peperi Guaçu e Santo Antonio, que deveriam fixar a fronteira argentino-brasileira no que hoje constitui o extremo oeste dos estados do Paraná e de Santa Catarina. A região, denominada de comarca de Palmas pelo Brasil e de Missões pela Argentina, se afigurava indispensável ao perímetro de defesa brasileiro, além de constituir área agrícola de rico potencial, quase exclusivamente povoada por brasileiros.
Graças aos mapas e documentos inéditos revelados pelo barão do Rio Branco e à qualidade excepcional da exposição que fez dos argumentos nacionais, a sentença do árbitro, o presidente Cleveland, dos EUA, deu inteiro ganho de causa ao Brasil, assegurando o domínio sobre 36.000 quilômetros quadrados. De uma hora para outra, o ignorado funcionário se transformava em celebridade nacional.
Pouco depois, a reputação conquistada nesse caso inspirou sua escolha como representante do Brasil na contenda com a França por território contestado de 260.000 quilômetros quadrados na fronteira do Amapá. O problema era de novo a identificação de um rio, o Oiapoque ou de Vicente Pinzón, designado como limite no Tratado de Utrecht (1715). A questão foi submetida ao julgamento do presidente do Conselho Federal da Suíça, Walther Houser, que em 1º de dezembro de 1900 decidiu pela posição advogada por Rio Branco, o que consolidou sua fama de vencedor.
Foi tamanha a gratidão do país que o Congresso lhe concedeu um prêmio monetário e uma dotação anual transmissível a seus filhos. Não ficou nisso o reconhecimento. Decorridos menos de dois anos, quando o barão exercia as funções de ministro do Brasil em Berlim, o presidente eleito Rodrigues Alves o escolheu para seu ministro de Relações Exteriores, cargo que assumiu em dezembro de 1902.
Encontrou à sua espera o desafio mais espinhoso de toda a sua carreira. No extremo oeste da Amazônia, a região do Acre estava prestes a virar estopim de uma guerra com a Bolívia e o Peru. Diante da revolta dos seringueiros chefiados pelo rio-grandense Plácido de Castro, o governo boliviano, que não dispunha de presença local, resolveu arrendar o território a um consórcio de capitais internacionais, sobretudo americanos e ingleses.    
A situação se agravou quando o presidente da Bolívia, general Pando, anunciou a intenção de marchar à frente de uma expedição militar para sufocar a revolta. Rio Branco, ministro recém-empossado, não perdeu tempo. Demonstrando firmeza e capacidade de decisão, recusou a proposta peruana de negociação a três e isolou os adversários, tratando com cada um a seu tempo. Após prorrogar a proibição ao consórcio de navegação pelo Amazonas, único acesso ao Acre, o que tornava a concessão sem valor, adquiriu, mediante indenização de 110.000 libras esterlinas, a desistência dos especuladores e dos poderosos governos que os apoiavam.
Em seguida, obteve do governo brasileiro o envio de força militar que ocupou o território em litígio antes da chegada das tropas bolivianas. Dessa forma, pressionou o governo de La Paz a negociar, deixando claro, em todo o processo, que seu único intuito era tornar brasileira a região povoada por cerca de 60.000 compatriotas. Conseguiu que fosse assinado, em novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia cedia 191.000 quilômetros quadrados (posteriormente, uma parte seria reconhecida como peruana). Em troca, o Brasil transferia quase 2.300 quilômetros quadrados em Mato Grosso, habitados por bolivianos, e pagava indenização de dois milhões de libras, hoje correspondentes a mais de 200 milhões de dólares. Além disso, comprometia-se a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.  
Na opinião do próprio barão, o Acre foi sua maior e mais difícil vitória. Evitando o recurso extremo à guerra, conseguiu-se garantir à soberania nacional um território desbravado e povoado por brasileiros. Dizia Rio Branco que o Acre era o único exemplo indiscutível de expansão das fronteiras do país.
Alertado pela crise acriana, o chanceler tomou a decisão de resolver de modo sistemático todas as questões fronteiriças pendentes. Além dos limites com a Argentina (1893), a França-Guiana Francesa (1900) e a Bolívia (1903), foram definidas as fronteiras com o Equador (1904), com a Inglaterra-Guiana Inglesa (laudo de 1904), com a Venezuela (1905), com a Holanda-Guiana Holandesa ou Suriname (1906), com a Colômbia (1907), com o Peru (1909), e o tratado de retificação com o Uruguai (1909).
Em poucos anos se concluía uma das maiores realizações da história diplomática de qualquer país: todas as questões com os vizinhos foram resolvidas por meio de negociações ou arbitramentos, jamais por guerras. Quando se compara aos países que possuem número de vizinhos similar ao do Brasil ou menor (Rússia, China, Índia, e mesmo Alemanha ou França), verifica-se que em nenhum caso se encontra padrão negociador sempre pacífico como no exemplo brasileiro.
Rio Branco dizia que havia construído o “mapa do Brasil”. Definir o espaço da soberania, a linha entre nós e os outros, é o primeiro ato de inserção de um país no mundo. O barão costumava dizer que era melhor negociar e transigir do que ir à guerra, pois o “recurso à guerra é sempre desgraçado”.
Além de solucionar todas as disputas limítrofes, soube perceber antes dos contemporâneos a emergência dos Estados Unidos como a nova potência dominante no cenário mundial. Receoso do agressivo imperialismo europeu de então, transferiu de Londres para Washington o eixo da diplomacia brasileira.
Em 1º de março próximo, aniversário do fim da Guerra do Paraguai, completaremos 142 anos de paz ininterrupta com todos os nossos vizinhos, proeza possivelmente única no mundo. Rio Branco não poderia desejar homenagem maior no centenário de seu falecimento do que a que hoje lhe presta o Brasil ao se manter fiel à centenária herança de paz, no momento em que ingressa “na esfera das grandes amizades internacionais a que tem direito pela aspiração de sua cultura, pelo prestígio de sua grandeza territorial e pela força de sua população”.  

Rubens Ricupero foi embaixador do Brasil em Washington, Genebra e Roma, ministro do Meio Ambiente e da Amazônia e ministro da Fazenda. É autor de Rio Branco: O Brasil no mundo (Contraponto Editora, 2000).

Saiba Mais - Bibliografia
LINS, Álvaro. Rio Branco. 3ª ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1996.
VIANA FILHO, Luís. A vida do Barão do Rio Branco. São Paulo: Editora da Unesp, 2008


quarta-feira, 14 de março de 2012

Cientistas descobrem na China homem desconhecido que conviveu com o moderno




Fósseis encontrados em duas cavernas do sudoeste da China revelaram a existência de um homem até agora desconhecido da Idade de Pedra com uma incomum mistura de traços físicos arcaicos e modernos, deixando uma nova pista sobre a adiantada evolução humana na Ásia. Com idades entre 14,5 mil e 11,5 mil anos, os fósseis são de homens que conviveram com seres humanos modernos (Homo sapiens) em uma época em que a agricultura estava em seu princípio na China. A reconstrução artística e o estudo foram publicados na revista "PLoS One" Mais Peter Schouten/EFE.

Até agora não haviam sido achados no leste do continente asiático fósseis humanos de menos de 100 mil anos de antiguidade que se diferenciassem fisicamente do Homo sapiens atual, o que levou os cientistas a pensarem que nessa região não havia antecessores dessa espécie quando apareceram os primeiros homens modernos, uma teoria que essa última descoberta põe em dúvida.

"Esses novos fósseis podem ser de uma espécie antes desconhecida que sobreviveu até o final da Idade do Gelo, há 11 mil anos", indicou Darren Curnoe da Universidade de Nova Gales do Sul, da Austrália, que liderou o estudo junto com Ji Xueping do Instituto de Arqueologia e Relíquias Culturais de Yunnan chinês.

Conforme Curnoe, a outra opção seria que os fósseis se tratassem de representantes de uma migração da África muito adiantada e desconhecida de homens modernos que, no entanto, não contribuíram geneticamente para o homem atual.

Os restos de três indivíduos foram encontrados em 1989 por arqueólogos chineses em Maludong (a caverna dos cervos vermelhos) perto da cidade de Mengzi, na província de Yunnan, mas só começaram a ser estudados em 2008 por cientistas chineses e australianos.
Um quarto esqueleto parcial apareceu em 1979 em uma caverna em Longlin, na região autônoma de Guangxi Zhuang, mas permaneceu no bloco de pedra onde foi descoberto até 2009, quando foi reconstruído.

Os crânios e dentes de Maludong e Longlin são muito similares entre si e representam uma mistura incomum de características anatômicas arcaicas e modernas.

Os cientistas chamam esses homens de "povo dos cervos vermelhos", já que caçavam esses animais hoje extintos e os cozinhavam na caverna de Maludong.

"A descoberta do povo dos cervos vermelhos abre um novo capítulo na história da evolução humana - o asiático - e é uma história que só agora está começando a ser incluída", afirmou Curnoe.

Embora a Ásia conte atualmente com mais da metade da população mundial, os cientistas ainda sabem pouco sobre como os humanos modernos evoluíram nessa localidade depois que seus ancestrais se fixaram na Eurásia há cerca de 70 mil anos.

Até o momento os estudos sobre as origens humanas se centraram principalmente na Europa e na África, devido em grande parte à ausência de fósseis na Ásia e ao desconhecimento da antiguidade dos poucos restos encontrados nessa zona.

Fonte: www.uol.com.br 
14/03/2012.

terça-feira, 13 de março de 2012

Um jovem ditador para a velha Coreia do Norte

Tirania e sucessão
Um jovem ditador para a velha Coreia do Norte
Diante da apreensão internacional, Kim Jong-un sucede o pai, o ex-ditador "descido dos céus" Kim Jong-il

Por Morgana Gomes



Fabiana Neves
Desde o falecimento do exditador Kim Jong-il, em 17 de dezembro de 2011, Kim Jongun, o único membro da família Kim, que viveu por sete anos no Ocidente, devido ao silêncio, aparentemente, compactua com as bizarrices de um dos países mais fechados do planeta - onde o poder hierárquico, o culto a personalidade, o arsenal nuclear, a fome, a incapacidade de produzir alimentos, que ainda se alia a ursos enlutados, que deixam de hibernar em pleno inverno para aparecerem de olhos lacrimejantes em lugares incomuns, suscitam muitas incertezas.

Em meio a tudo isso, a imprensa oficial da Coreia do Norte ainda distribuiu imagens para todo o mundo, nas quais uma indeterminada camada da população, formada por homens, mulheres e crianças, todos bem vestidos e de aparência sadia, chorava compulsivamente, mas de forma teatral e coreografada, a morte do ditador de 69 anos, que se impôs por quase duas décadas perante o país. Se não bastasse, também foi divulgado que, "por volta das 17h30 de 19 de dezembro de 2011, centenas de corvos apareceram do nada e pairaram sobre uma estátua do presidente Kim Il-sung (avô do atual e pai do ex- ditador) no campus da Escola Changdkok, no distrito de Mangyongdae, grasnando como se estivessem lhe contando a má notícia" - embora com um atraso: Kim Jong-il, tinha morrido dois dias antes, devido a um infarto que sofreu a bordo de um trem, após uma partida de golfe, na qual fez uma jogada extraordinária...


Afp/North Korean TV
Kim Jong-un, o novo líder da Coreia do Norte
Com tantas informações mirabolantes, o que esperar de Kim Jongun, o terceiro líder de um regime hierárquico? Guindado ao poder antes de completar 30 anos, a construção do seu mito já começou, no momento em que ele foi decretado "líder supremo" do país, durante as cerimônias em memória de seu pai, em 29 de dezembro do ano passado.

Retratado como sósia do seu avô, o jovem também foi apelidado de "gênio dos gênios" em questões militares, apesar da inexperiência nesse campo. Em consequência, após uma reunião do Birô Político do Comitê Central do Governista Partido dos Trabalhadores, foi nomeado "comandante supremo" do Exército da Coreia do Norte, que conta com aproximadamente 1,2 milhão de militares - montante que o torna uma das forças armadas mais poderosas do mundo, do qual o jovem já era general quatro estrelas desde 2010.





"Kim Jong-un foi nomeado "comandante supremo" do Exército da Coreia do Norte - apesar da inexperiência."


Reuters
Kim Jong-un chora a morte do pai durante o funeral
De posse do poder adquirido por hierarquia, órgãos estatais da Coreia do Norte ainda pediram ao povo que se agregasse em torno do novo líder, para formar uma espécie de "escudo humano", cuja função é a de protegê- lo durante os trabalhos que visam à resolução da escassez de alimentos no país e à defesa da política de seu falecido pai, Kim Jong-il.


Esse tipo de apoio extremado também veio dos três principais jornais estatais, que afirmaram em editoriais, logo no primeiro dia de 2012, que Kim Jong-un tem legitimidade para levar adiante a batalha revolucionária iniciada por seu avô, Kim Il-sung, e que, posteriormente, foi desenvolvida por seu pai. De forma diferenciada, mas somente pelo uso das palavras, eles ainda enfatizaram que o jovem, o líder supremo do Partido e do povo, "é a bandeira da vitória e glória da Coreia Songun (política militar do país) e o centro eterno de sua unidade".

"Longe das agruras do povo norte-coreano, que padecia de fome, ele desfrutou de comodidades do capitalismo."

Sabe-se que o filho mais novo do ex-ditador Kim Jong-il, Kim Jongun, estudou na Suíça por sete anos, período em que teve parcialmente a companhia de seus dois irmãos. Embora essa fase de sua vida também seja envolta por mistérios, tudo indica que longe das agruras do povo norte-coreano, que padecia de fome durante a década de 1990, ele desfrutou de todas as comodidades oferecidas pelo capitalismo.
Aluno da Escola Internacional de Berna, instituição privada que custa cerca de US$ 25 mil por ano, usou o pseudônimo de Pak Tchol, para se manter na obscuridade, durante a época em que esteve na pequena capital suíça de 120 mil habitantes. Contudo, contrariando o costume local, um carro com motorista o buscava todos os dias, enquanto os demais alunos - incluindo filhos das famílias mais ricas do mundo - faziam uso apenas do transporte público.


AP
Kim Jong-un entre lideranças norte-coreanas na cerimônia de despedida de seu pai
Apesar da posse na Coreia da Norte, ao ser consultado, o governo suíço alegou não saber ao certo se o filho do ex-ditador realmente esteve por lá. Já a direção da escola, pela discrição tradicional, não deu nenhuma informação sobre Kim Jong-un. Mas, de acordo com outros ex-estudantes, ele era um bom aluno, tanto que aprendeu inglês, francês e o dialeto alemão usado em Berna. Tido como tímido e introvertido, dizem que tinha um comportamento exemplar. Gostava de esportes coletivos e, como a maioria dos jovens da década de 1990, era fã do astro do basquete Michael Jordan e do ator Jean-Claude Van Damme. Segundo Ron Schwartz, exaluno canadense que conviveu com o jovem norte-coreano em Berna, durante o inverno, ele dedicava todos os fins de semana de folga ao esqui, esporte do qual é amante.



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Fonte: Portal Ciência e Vida (Revista Leituras da História)

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dia 8 de Março: do feminismo à valorização conservadora da mulher
Posted: 08 Mar 2012 09:06 AM PST
Por Alípio de Sousa
(Sociólogo e Professor do Dep. de Ciências Sociais – UFRN)


O dia 8 de março, instituído como o Dia Internacional da Mulher, em sua origem foi criação dos movimentos feministas. Pensado como um dia de luta política para a manifestação pública dos diversos grupos feministas, com vistas a denunciar situações de opressão, desigualdades e violências vividas ainda por grande parte das mulheres nas nossas sociedades, a data vem, mais e mais, e não apenas no Brasil, transformando-se em um verdadeiro segundo Dia das Mães. Basta a observação dos discursos que circulam hoje nos jornais, rádios, tvs, nas mensagens governamentais e até de empresas privadas para que, com análise crítica, se perceba o esvaziamento do sentido político da data.
Na maior parte das mensagens, o que encontramos são retóricas morais conservadoras que, disfarçando-se em dignificação da mulher, no fundo reiteram todos os estereótipos sociais produzidos historicamente sobre o feminino, que confinam as mulheres às representações ideológicas da mulher “dedicada”, “sacrificada”, “amorosa”, “maternal”, “compreensiva”, “nutridora”. Isto é, mulher como sinônimo de “cuidadora” e que encontra na figura da “mãe” seu ideal. Como estamos na conservadora sociedade burguesa e cristã, essa mãe não pode ser senão sempre-já a “esposa” fiel ao marido e devotada aos filhos. Ideologia do casamento heterossexual como destino para todas as mulheres e ideologia da maternidade como realização máxima da mulher.
Assim, com jornais ofertando rosas impressas em suas capas, governadores/as, prefeitos/as, comunicadores/as e também empresários/as (que não perdem a chance de fazer a propagando de seus negócios) fazendo seus delicodoces e manteigueiros discursos sobre “o valor da mulher”, o que, de fato, realizam é o esvaziamento do sentido político da luta feminista pela emancipação social das mulheres. Emancipação que inclui rupturas com modelos culturais e morais impostos às mulheres que constituem estruturas, instituições e padrões de relações sociais que inferiorizam e oprimem as mulheres. Nesse sentido, as lutas feministas priorizaram sempre as bandeiras das liberdades sexuais, do fim das desigualdades entre homens e mulheres mantidas em diversos âmbitos, a luta pela legalização do aborto, por leis de proteção às mulheres contra violências praticadas no domínio doméstico ou público, por políticas públicas promotoras de novas condições para as mulheres.
A valorização conservadora da mulher que se pratica nos discursos que usurparam a cena pública do 8 de março é antifeminista. É hipócrita e ardilosa. Visa fazer crer que, hoje, por mérito das próprias mulheres “guerreiras”, “lutadoras”, mas também “sacrificadas” (a mater dolorosa cristã!), já temos um “reconhecimento do valor da mulher”: que, agora, pode ser presidente (e há aqueles que se escondem no “presidenta” para fingir maior valorização da mulher, não por autêntico feminismo radical, mas por mulherismo  linguístico adulatório), governadora, prefeita, parlamentar, empresária. Mesmo quando algumas delas, ocupantes desses postos, nada tenham de feministas ou experimentem, em suas histórias pessoais, algo que se possa chamar de emancipação feminina. Do lar, fabricadas por concepções antiemancipatórias que vigoram nas famílias e na sociedade em geral – o que inclui retrógadas crenças religiosas e alienantes valores morais –, vão para a esfera pública (governar, dirigir, representar etc.) como meras replicadoras de ideias e práticas que constituem não apenas as bases fundamentais de estruturas de opressão e alienação das mulheres em nossas sociedades, mas igualmente de estruturas econômicas e de poder, além de instituições culturais, que mantêm a sociedade de desigualdades e violências que conhecemos.
Oxalá os grupos feministas consigam retomar a palavra e a cena pública no 8 de março e reinstituam o sentido de luta política da data! O que interessa não apenas às mulheres mas a todos/as que lutam por transformações radicais de estruturas, instituições, relações e práticas sociais, prevalentes em nossas sociedades, que perpetuam a dominação masculina, hierarquias infundadas de gênero, a ideologia da heterossexualidade obrigatória, a homofobia e igualmente desigualdades econômico-sociais e mecanismos de poder para privilégio de poucos e miséria e sofrimento de muitos.

Fonte: Carta Potiguar

domingo, 4 de março de 2012

O poder das amantes

Aventuras na História

Elas foram escolhidas por reis, mas não viraram rainhas. Mesmo sem coroa, algumas se tornaram tão poderosas que mudaram o mundo

por FERNANDA DE CASTRO LIMA | 04/10/2011 19h19
 
Desde pequena, Jeanne-Antoinette Poisson foi criada para ser a favorita de Luís 15. Bem-educada e perspicaz, conseguiu o que queria. Tornou-se a madame de Pompadour, uma das mulheres mais influentes da França. Como os casamentos reais eram fruto de acordos políticos e econômicos, o rei buscar amor e prazer nos braços de outras era natural. "Pais empurravam as filhas mais atraentes para os braços do rei, torcendo para que elas terminassem em sua cama", diz Robin Briggs, historiador da Universidade de Oxford (Inglaterra). "A amante tinha acesso direto ao rei e era vista como a mais interessada em seu bem-estar, além de ser uma fonte segura de informações sobre a corte", diz Kathleen Wellman, da Southern Methodist University, em Dallas (EUA). Daí vinha seu poder.

Panela velha

Nome: Diane de Poitiers (1499-1566)
Principal amante: rei Henrique 2º, da França
Esquisitice: ensinou posições sexuais para a rainha
Influência política: muito grande
Diane de Poitiers nasceu no último dia de 1499. Filha de nobres, casou muito jovem com Luís de Brézé, conde de Maulévrier, de 56 anos. Aos 18, com duas filhas, segurou no colo Henrique, futuro rei da França. Quando ficou viúva, afastou-se da corte por um longo período. Ao retornar, aos 30 anos, estava deslumbrante. O garoto Henrique encantou-se. Não se sabe, segundo a princesa Michael de Kent, o exato momento em que os dois viraram amantes. Henrique venerava aquela mulher quase 19 anos mais velha, mas se casou com a prima dela, Catarina de Médici. Quando ele tinha 17 anos, seu irmão mais velho e sucessor ao trono morreu. Diane, então, preparou o jovem amante para se tornar rei. Quando enfim virou monarca da França, em 1547, pôde assumi-la publicamente. Diane dava conselhos para assuntos de Estado e redigia as cartas oficiais, assinadas como “Henrique Diane”. Ela o encorajou a nomear ministros e tornou-se membro do Conselho Privado. Era tão devotada a Henrique que chegou a ensinar algumas posições sexuais à rainha, desesperada por não conseguir engravidar. Deve ter funcionado - Catarina teve 10 filhos. Henrique deu a Diane o castelo Chenonceau, joias, o título de duquesa de Valentinois e uma homenagem sem precedentes: uma moeda cunhada com a imagem da amada. Em 1559, durante os casamentos de sua irmã e de sua filha, Henrique organizou um duelo. A brincadeira acabou em tragédia: a lança do adversário entrou no olho do rei. Ele tinha 41 anos. Diana perdeu o amante e o poder político e foi banida da corte pela rainha. Morreu aos 67 anos.

Morriam por ela

Nome: Agustina Carolina Otero, La Belle Otero (1868-1965)
Principal amante: todos os reis e príncipes com quem se envolveu
Esquisitice: ganhou o apelido de “sereia dos suicidas”
Influência política: quase nenhuma


É difícil saber o quanto de sua biografia é verdadeira, já que a espanhola Carolina fantasiava histórias para se promover. Certo é que foi umas das dançarinas e cortesãs mais festejadas da Europa na belle époque. Dizia ser filha de uma cigana andaluz e de um soldado grego. Perdeu o pai ainda criança e passou a infância num internato. Aos 12 anos, aparentando muito mais, fazia shows de dança em salões. Foi para Lisboa e, nos teatros, passou a ser conhecida como La Belle Otero. Virou amante de um rico banqueiro e teve vários outros até se casar com um ator italiano - que abandonou ao pegá-lo na cama
com outra. Passou por Alemanha, Mônaco, Áustria, Rússia e Estados Unidos. Mas foi em Paris que alcançou seu auge com as apresentações na casa de espetáculos Folies-Bergère. Por todos os lugares, colecionou amantes reais. Entre eles, o czar Nicolau 2º, o príncipe Albert 1º de Mônaco, o rei Leopoldo da Bélgica, o príncipe Edward 7º do Reino Unido, Guilherme 2º da Alemanha, Alfonso da Espanha e o príncipe Pirievski, da Rússia - um dos 6 homens que teriam se matado por ela, o que rendeu à dançarina
o apelido de “sereia dos suicidas”. La Belle morreu aos 97 anos, de ataque cardíaco, pobre e sozinha.

 

De nobres a cocheiros

Nome: Barbara Villiers, condessa de Castlemaine (1641-1709)
Principal amante: rei Charles 2º, da Inglaterra
Esquisitice: era promíscua e tinha boca suja
Influência política: grande
Aos 18 anos, Barbara Villiers casou-se com o inglês Roger Palmer. Mas tornou-se amante de Charles 2º quando ele assumiu o trono, em 1660. Nove meses depois, dava à luz sua primeira filha. Palmer ganhou o título de conde de Castlemaine. No dia em que o rei se casou com a princesa portuguesa Catarina de Bragança, lady Castlemaine, numa afronta à nova rainha, pendurou “as mais finas camisolas e anáguas de linho por galhos e arbustos do jardim real”, conta Leigh Eduardo no livro Amantes. Dava palpites em negociações comerciais e favorecia algumas pessoas para depois cobrar o favor. Num debate com o rei, o premiê Clarendon disse que lady Castlemaine dava palpite demais. Charles o destituiu. Ela se deitava com qualquer um. Falava palavrões e gastava fortunas no jogo. Para pagar uma dívida de 30 mil libras, Charles usou o dinheiro de impostos. O ódio do povo desencadeou uma rebelião que resultou em bordéis queimados e homens condenados à morte. Após 8 anos, Charles a “aposentou”. Deu a ela o palácio de Nonsuch (que ela mandou demolir depois de depená-lo). Barbara morreu pobre aos 68 anos.

A barraqueira da Baviera

Nome: Lola Montez (1818-1861)
Principal amante: rei Ludwig 1º, da Baviera
Esquisitice: chicoteava quem atrapalhasse seu caminho
Influência política: grande – quase causou uma guerra civil


Maria Dolores Eliza Rosanna Gilbert, filha de um militar inglês, fugiu de um casamento arranjado e foi estudar dança na Espanha. Ao voltar para Londres, mudou de identidade: virou Lola Montez. Com direito a sotaque espanhol e cigarrilhas, fez sucesso nos teatros e correu o mundo. Em Berlim, em 1844, teve um romance com o pianista Franz Liszt. Em Paris, ficou amiga de Alexandre Dumas, Chopin, Delacroix e Victor Hugo. Em Munique, não conseguiu se apresentar no teatro local e, irritada, marcou uma audiência com o rei. Cansada de esperar por Ludwig 1º, teve sua blusa rasgada por um guarda ao tentar invadir seus aposentos. Ele a viu com o seio quase de fora - foi o início do relacionamento que chocou a Europa. O governo de Ludwig, até então pautado pela Igreja, balançou com as ideias anticlericais da amante. Ela derrubou o primeiro-ministro, torrava o dinheiro do rei, cuspia e dava chicotadas em quem tivesse ideias contrárias às suas. Ludwig, temendo uma rebelião, pediu que ela deixasse o país. Em 1857, quando a rainha da Baviera morreu, Lola aceitou o pedido de casamento de Ludwig, que abdicara do trono. Mas abandonou o marido ao descobrir que ele tinha sífilis.

 

Encantos de bruxa

Nome: Françoise Athénaïs, madame de Montespan (1641-1707)
Principal amante: rei Luís 14
Esquisitice: acusada de praticar magia negra
Influência política: pouca
Françoise-Athénaïs era bonita, tinha um belo corpo e postura impecável. Conheceu Luís 14 em 1661, no esplendor de seus 20 anos. O rei estava casado com Maria Teresa de Espanha, mas tinha um apetite sexual famoso no reino. Françoise, casada com o marquês de Montespan, estava insatisfeita com as jogatinas e com a arrogância do marido. O “encaixe” entre a bela e o monarca, entretanto, não foi imediato. Em 1664, Françoise foi escolhida como uma das damas de honra da rainha Maria Teresa. Em 1667, aí sim, virou amante de Luís 14. Inconformado, o marquês de Montespan pôs-se em luto, colocou enormes chifres em sua carruagem e adornou sua própria cabeça. Motivo de chacota, o rei o baniu de Paris. Em 1678, uma vidente embriagada falou de poções de envenenamento. Teve início uma investigação, chamada de “Câmara Ardente”, que revelou uma rede de bruxas e feiticeiras envolvendo nobres e padres. Françoise foi acusada de ter feito magia (com sacrifício de crianças e outras barbaridades) contra o rei e suas novas amantes. Em 1691, ela foi convidada a se retirar de Versalhes. Deixou o castelo insultando o rei, dizendo que fora obrigada a aguentar o cheiro dele por 12 anos - Luís tinha fama de não ser chegado a banhos e de exalar um odor infernal. //